sexta-feira, 7 de maio de 2021

Covid-19: suspensão das patentes da vacina ganha apoio internacional

Foto: Chrstof Stache/AFP

A comunidade internacional reagiu com entusiasmo à disposição dos Estados Unidos em suspender as proteções da propriedade intelectual para vacinas contra a Covid-19. A França e a Rússia se mostraram favoráveis às negociações sobre o tema, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Centro de Controle e Prevenção de Doenças da União Africana (Africa CDC) elogiou a “histórica decisão” do presidente Joe Biden como “uma notável expressão de liderança”.

A União Europeia (UE) se dispôs a debater “qualquer proposta que responda à crise de maneira eficaz e pragmática”, enquanto a Alemanha destoou do bloco, ao destacar que a patente “é fonte de inovação e deve permanecer assim no futuro”. A porta-voz da chanceler, Angela Merkel, advertiu que “os fatores limitantes na produção de vacinas são a capacidade de produção e os altos padrões de qualidade, não as patentes”. O Brasil emitiu sinais confusos em relação à tomada de posição sobre as patentes, com clara contraposição entre o Itamaraty e o Ministério da Saúde.


Em audiência na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado, o chanceler, Carlos França, não descartou que o governo se alinhe à intenção dos EUA e admita a suspensão dos direitos sobre a propriedade intelectual. “Nada impede que a posição que o Executivo tem hoje seja atualizada amanhã, se nessa atualização estiverem refletidos os mais legítimos interesses do Brasil”, declarou. O chefe do Itamaraty deve se reunir, no fim da tarde de hoje, com a representante do Comércio dos Estados Unidos, Katherine Tai, para tratar do assunto. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se opôs à medida. “Não sou especialista neste tema. Tenho receio de que que essa medida possa, de alguma maneira, prejudicar o rito de entrega de vacinas para o Brasil”, comentou. “Temos que evoluir no entendimento dessa matéria.”


Apesar da receptividade dos países, os laboratórios reforçaram a oposição. A farmacêutica alemã BioNTech informou que a proteção de patentes não restringe a produção dos imunizantes contra a Covid-19 nem afeta o fornecimento para todo o mundo. O presidente da Pfizer, Abert Bourla, disse que a empresa “não é nada favorável” ao anúncio de Biden. A suspensão das patentes somente poderá ser tomada após a posição consensuada dos 164 países-membrso da OMC.


“Sem precedentes”

Prêmio Nobel de Medicina em 2020, Michael Houghton — professor do Instituto de Virologia da Universidade de Alberta (Canadá) e um dos descobridores do vírus causador da hepatite C — disse ao Correio que o levantamento das patentes ajudará algumas nações a fabricarem suas próprias vacinas contra a covid. “Elas também precisarão de transferência de tecnologia completa das empresas detentoras de patentes, além de suas próprias fábricas de biomanufata”, afirmou.


Houghton classificou a suspensão das restrições como um gesto “sem precedentes” e de altruísmo global. “A iniciativa não apenas ajudará a lidar com futuras pandemias, como também será de grande valor no estímulo à indústria biofarmacêutica, o que tornará os países mais autossuficientes.” Ele acredita que o Brasil será compelido a construir fábricas, caso dispense temporariamente a proteção à propriedade intelectual.


Um dos cientistas que isolou o HIV, vírus da Aids, na década de 1980, Robert C. Gallo afirmou à reportagem que o sucesso da quebra de patentes dependerá do reforço periódico dos anticorpos contra o Sars-CoV-2. “Existem custos e não sabemos se poderíamos manter tal medida para o mundo inteiro. Seria um passo dramático e maravilhoso rumo a uma ajuda substancial para muitos países — espero que, inclusive, para o Brasil. Estou orgulhoso e feliz com a posição de Biden”, declarou Gallo, cofundador e diretor do Instituto de Virologia Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland (Estados Unidos).


Lisa Larrimore Ouellette, professor de direito da Universidade de Stanford, acredita que a mudança de posição dos EUA sobre a isenção de propriedade intelectual sinaliza um compromisso mais amplo de expansão do acesso global aos imunizantes. “Isso ocorrerá por meio de políticas que realmente farão diferença. Mas, a suspensão das patentes não afetará, em curto prazo, a disponibilidade de vacinas. Ainda está claro qual será o impacto de longo prazo sobre o acesso à imunização”, comentou.


Para Andrea D. Taylor, subdiretora de Programas do Centro de Inovação em Saúde Global da Duke University (Reino Unido), a quebra das patentes não deverá ocorrer em breve. “A decisão deve ser tomada em consenso e muitos países firmam oposição. Serão necessários meses de debates”, observou. Ela entende que a medida não deverá surtir grande impacto na produção das vacinas neste ano. “Leva muito tempo para equipar uma fábrica a fim de produzir novo medicamento, executar os testes de lotes e realizar auditorias de qualidade. Além disso, mesmo os fabricantes que detêm transferência de tecnologia estão atrasados na produção, ante a escassez de insumos, como filtros e bolsas de biorreator.”


Na Sérvia, a dose vale dinheiro

Em um shopping center de Belgrado, cidadãos chegam para receber uma das doses da vacina contra a Covid-19. O presidente da Sérvia anunciou que o país pretende pagar a cada habitante que tomar o imunizante até o fim deste mês. “Todos os vacinados até 31 de maio receberão 3 mil dinares (o equivalente a R$ 158)”, declarou Aleksandar Vucic. O país comprou milhões de doses, tanto de empresas ocidentais quanto da China e da Rússia, e por um momento se transformou em um centro regional de vacinas, ao oferecer aos estrangeiros a possibilidade de imunização. Depois de imunizar por completo 1,3 milhão de seus 7 milhões de habitantes, a campanha enfrenta uma desaceleração. A iniciativa de Vucic de compensar os cidadãos pode ser única no mundo. A ideia, segundo ele, é “premiar as pessoas que demonstrarem responsabilidade”. Ao mesmo tempo, o presidente anunciou que os funcionários públicos que não estão vacinados não terão direito a férias remuneradas, em caso de infecção.

 

Moscou homologa Sputnik Light Uma versão “light”da Sputnik V — administrada em uma única dose contra duas na versão original — foi homologada pela Rússia. O processo de homologação foi anunciado ao mesmo tempo pelos criadores da vacina e pela primeira-ministra russa responsável pela Saúde, Tatiana Golikova, durante encontro com o presidente Vladimir Putin, transmitido pela televisão. Segundo o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), responsável por financiar o desenvolvimento do imunizante, a Sputnik Light tem 79,4% de eficácia, ante 91,6% da versão em duas doses. “A vacina Sputnik Light é baseada em uma plataforma de vetor adenoviral humano bem estudada que se mostrou segura e eficaz”, garantiu o RDIF, por meio de um comunicado, acrescentando que o custo desta versão da injeção será “inferior a 10 dólares”. Rapidez De acordo com Alexandre Guintsbourg, diretor do centro de pesquisas moscovita Gamaleya — responsável pela vacina russa —, a Sputnik Light vai permitir “uma imunização mais rápida de grupos populacionais maiores, além de apoiar altos níveis de imunidade em quem foi contaminado”. O diretor do RDIF, Kirill Dmitriev, acredita que esta versão “reduza significativamente a probabilidade de casos graves”. 




Por: Correio Braziliense

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