segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Flanelinhas: atividade legal ou crime de extorsão? Saiba como proceder durante abordagens em vias públicas

Os guardadores de carros costumam abordar os motoristas em estacionamentos e semáforos, cobrando ''gorjetas'' pelos serviços

Atualmente, é bastante comum encontrar os guardadores de carros em ruas nas proximidades de eventos, como shows e jogos de futebol (Foto: Ruan Pablo/DP)

“Posso olhar o carro?”, “Vai uma limpezinha aí?”, “Tem um trocado pra me dar?”. Motoristas se deparam diariamente com estas abordagens dos guardadores de carros ou “flanelinhas”, que fazem parte do "ecossistema do trânsito", assim como os engarrafamentos, discussões e imprudências. Eles costumam oferecer serviços como limpeza do veículo ou vigia, principalmente em estacionamentos e semáforos.

 Dois casos envolvendo crimes cometidos por estes trabalhadores em Pernambuco vieram à tona nos últimos dias e chamaram a atenção sobre a regularização desta atividade e como proceder em casos de extorsão e ameaças.


Em menos de um mês, as ações de dois “flanelinhas” foram noticiadas pela mídia: o primeiro danificou o carro de um turista na Praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, após o proprietário do veículo não ter dado a devida atenção na hora que os serviços foram oferecidos. O segundo foi preso após tentar extorquir um casal de delegados que estava estacionando o carro no bairro do Espinheiro, no Recife. 


Diante de casos como estes, motoristas tendem a ficar com receio de não aceitar os serviços oferecidos pelos “flanelinhas” e surgem dúvidas a respeito desta prática. Mas antes de abordar as leis e regulamentação sobre os guardadores de carro, é importante entender como eles surgiram no país.


Há registros de que os guardadores de carro começaram a atuar no Brasil na década de 1930, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, e se expandiram para outras regiões a partir da década de 1960. Existe a hipótese de que esta profissão surgiu após combatentes brasileiros da Segunda Guerra Mundial retornarem da Europa e se depararem com o desemprego. Desta forma, começaram a atuar como guardadores. No entanto, esta teoria é questionada por sociólogos e historiadores.


Especialistas destacam que a atividade dos “flanelinhas” está diretamente ligada com o processo de desemprego e informalidade no Brasil e que o aumento do trabalho informal também remete à chegada da industrialização no país. Além disso, entre os anos de 1960 e 1990, o Brasil passou por um processo de êxodo rural e as grandes cidades não absorveram toda a mão de obra disponível, o que acarretou no crescimento destes trabalhos informais.


A Lei Federal nº 6.242 de 1975 aborda sobre a profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores e determina duas condições para que eles exerçam essa profissão:


1) Serem registrados na Delegacia Regional do Trabalho, ou em órgão do Poder Público indicado por parceria com essa Delegacia;

2) Atuação permitida apenas em locais indicados pela autoridade municipal.


A atividade exercida pelos flanelinhas, por si só, não representa crime, já que não há essa conduta específica no Código Penal Brasileiro.


Atualmente, é bastante comum encontrar os guardadores de carros em ruas nas proximidades de eventos, como shows e jogos de futebol. Por isso, ir de carro para locais como estes é sinônimo de pagar altos preços nos estacionamentos e os motoristas sabem que  caso não paguem a “gorjeta” dos “flanelinhas”, algo de ruim pode acontecer com o veículo. 


Nesta situação, surge a dúvida se eles estão cometendo o crime de extorsão, uma vez que deixam subentendido que irão danificar o carro caso não recebam o pagamento adequado. No entanto, não é tão simples enquadrar esta prática como crime de extorsão, que é definido pelo artigo 158 do Código Penal como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. O acusado pode pegar até reclusão de quatro a dez anos e multa.


O artigo deixa claro que é necessário que haja uma ameaça ou violência durante a abordagem do “flanelinha” para que ele responda ao crime de extorsão. 

 

A advogada Fabiana Mesquita explica que “se há ameaça à segurança do motorista ou do carro, quando da recusa do pagamento, eles cometem crime descrito no código penal. Se chegam a arranhar os carros, assustar o motorista e isso tem alguma consequência física no motorista, podem ser enquadrados em  lesão corporal, ameaça ou extorsão”.


A advogada ainda destaca que os “flanelinhas” não podem realizar o serviço de limpeza ou de vigia do veículo sem a permissão do motorista. 


“Antes de ser direito de trânsito , é um direito individual. Quanto aos flanelinhas que cobram para que o motorista possa estacionar  em via pública. Também não há respaldo jurídico nessa cobrança. A via sendo pública, só o poder público pode conceder a concessão para a exploração comercial. Então, quando ao estacionar em via pública, concordamos que uma pessoa tome conta do nosso carro, sem que tenha havido qualquer constrangimento para isso. Estamos fazendo um acordo entre particulares. Mas isso é uma liberalidade do motorista e não uma obrigação”, explica.


Fabiana ressalta que os motoristas que se sentirem ameaçados, lesados, ou tiverem seu bem danificado de alguma forma, devem procurar a polícia, ligando para o 190, ou se dirigir aos agentes caso tenha uma viatura por perto.


             Recife investe na Zona Azul para evitar situações com os “flanelinhas”


Diversos pontos do Recife contam com estacionamento rotativo, também conhecido como ”Zona Azul”. Este tipo de estacionamento foi criado com o objetivo de melhorar o tráfego nas ruas, aumentando a disponibilidade de vagas.


Por meio de nota, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife informou que a cidade “conta com cinco mil vagas de Zona Azul, e desde 2019 o processo é inteiramente digital através de aplicativo, o que fez com que a compra pudesse ser feita diretamente pelo aplicativo em vários pontos da cidade, como Bairro do Recife, Santo Antônio, São José, Encruzilhada, Madalena, Boa Vista, Casa Forte, Casa Amarela e Boa Viagem”.


Em 2015, foi realizado um projeto piloto no Bairro do Recife, em parceria com a Secretaria de Defesa Social (SDS) do governo do Estado, com o objetivo de identificar os guardadores de carros do local e coibir eventuais abusos.


A secretaria ainda destacou que “o que compete ao poder público municipal, na figura da Autarquia de Trânsito e Transporte do Recife (CTTU), é a fiscalização das normas de trânsito conforme prevê o Código Brasileiro de Trânsito. Possíveis constrangimentos provocados por flanelinhas devem ser denunciados às forças de segurança, através do telefone 190”.


Por _ Diario de Pernambuco

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